Em 2007 foi preciso uma explosão de greves e uma procissão de velas, promovida pela Frente Parlamentar da Saúde e entidades nacionais, para que as consciências das autoridades fossem iluminadas e o Governo Federal decidisse liberar R$ 1,5 bilhão para estancar a grave crise que prejudicava o atendimento pelo Sistema Único de Saúde e provocava o fechamento de hospitais. No entanto, o Governo usou de uma artimanha contábil e retirou dinheiro do Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza para salvar a saúde.
A Emenda Constitucional 29 diz que o orçamento da saúde deve ser definido da seguinte forma: tudo que foi gasto no ano anterior mais a variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Como o socorro à saúde veio do Fundo da Pobreza, como um abono, o dinheiro não foi contabilizado como gasto da saúde e não integrou o orçamento do setor para 2008. Como conseqüência, a crise veio com mais força este ano e o Ministério da Saúde foi obrigado a pedir socorro publicamente, alertando que não teria como pagar as contas do mês de novembro.
Este ano não houve procissão de velas, mas a insensibilidade do Governo Federal é a mesma. A equipe econômica não se curvou sequer com as lágrimas do vice-presidente da República. José Alencar, que trava uma guerra contra o câncer, afirmou que pode pagar mais de R$ 4 mil num plano privado e ainda tem direito a atendimento privilegiado. “Mas quem não pode?”, disse ele, com lágrimas nos olhos.
Não adiantou. As lágrimas caíram no vazio.
O Ministério da Saúde necessita de R$ 2,674 bilhões para fazer frente a gastos em ações de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar, aquisição de medicamentos excepcionais e implantação de novas políticas como Saúde do Homem, Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU) e Saúde na Escola. Mas a Junta Orçamentária do Governo, formada pelos ministros do Planejamento, Fazenda e Casa Civil, e pelo próprio presidente Lula, decidiu liberar só R$ 1,4 bilhão. E mais uma vez os recursos não serão incluídos no piso constitucional para a definição do orçamento da saúde de 2009. As despesas da saúde são continuadas e não podem ser mantidas com recursos extraordinários.
Todo o montante de R$ 1,4 bilhão será destinado para média e alta complexidade hospitalar e ambulatorial. Foi uma vitória parcial, já que o gasto mensal do SUS é de R$ 1,850 bilhão. O restante, de R$ 450 milhões, virá de outros programas do Governo. O Ministério da Saúde terá que cortar de outros programas importantes.
A solução definitiva para a saúde passa pela regulamentação da Emenda Constitucional 29. Essa Emenda estabeleceu que as três esferas de governo devem aplicar anualmente recursos mínimos em saúde. Os municípios, 15% de suas receitas, os estados 12% e a União tudo que foi gasto no ano anterior mais a variação do PIB. O problema é que o texto não deixou claro o que são ações e serviços de saúde. Das 27 unidades da Federação, apenas dez cumprem o percentual mínimo. Os que não cumprem investem em estradas, restaurantes populares, saneamento e aposentados, alegando serem gastos com saúde. A regulamentação vai fechar essas brechas e mais R$ 5 bilhões serão aplicados pelos estados verdadeiramente em saúde.
Duas versões do PLP 121/07 tramitam no Congresso Nacional. No Senado, a proposta aprovada por unanimidade em maio de 2008 muda a forma de correção do orçamento da saúde a nível federal. O Governo teria que investir em saúde 10% de sua receita corrente bruta, de forma escalonada: 8,5% em 2008; 9,0% em 2009; 9,5% em 2010; e 10% a partir de 2011. A proposta que tramita na Câmara mantém a correção pelo PIB e propõe a criação da Contribuição Social da Saúde (CSS), nos moldes da extinta CPMF, mas com arrecadação exclusiva para a saúde. Na Câmara só falta votar um destaque, justamente o que cria a CSS. Temos, portanto, três cenários: ou prevalece o texto puro do Senado, ou o texto puro da Câmara. O terceiro cenário seria aprovar o texto da Câmara com a supressão de alguma parte. Nada pode ser acrescentado.
O texto do Senado é o ideal, mas o Governo Federal o considera impraticável. O fundamental é que sejam definidos recursos estáveis e condizentes para o financiamento do SUS, o que só será possível mediante a regulamentação da emenda constitucional 29. E isso precisa acontecer logo, mesmo que sejam necessárias mais velas e mais lágrimas.
Darcísio Perondi é deputado federal pelo PMDB do Rio Grande do Sul e um dos coordenadores da Frente Parlamentar da Saúde